"Sair abraçado, no meu tempo, não podia"
Um sorriso simpático e sincero nos recebeu junto aos braços abertos de Ema Mulinari. Na calmaria de um dia ensolarado do interior, ouvimos a história da moradora da Linha Iraí, em Frederico Westphalen/RS que com muito orgulho conta que sua primeira vizinha foi, e ainda é, a mãe que hoje tem 97 anos. Ema é viúva de Osmar Mulinari e com 77 anos, tem saúde o suficiente para dar e receber amor e carinho dos quatro filhos e dos quatro netos que completam a família.
Falando sobre sexualidade no meio rural
Agricultora aposentada, atualmente se mantém ativa com os cuidados da propriedade, do cultivo de plantas medicinais e das participações na igreja e no movimento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR), onde trabalha com mulheres, falando sobre mulheres. A faixa etária que participa das reuniões do sindicato, está entre 40 e 60 anos, muitas das mulheres já são aposentadas e só assim encontraram um tempinho em seu dia a dia para cuidarem de si.
Dona Ema afirma que trabalhar com a auto estima das mulheres é o que motiva a continuar com as conversas no sindicato.
— Porque o que nós queremos com as mulheres, é que elas sejam felizes. Gente infeliz quando fica velho, fica doente —, ressalta.
Com essas mulheres do interior de Frederico Westphalen a sexualidade é refletida de uma forma mais tímida, mas, mesmo assim, Ema desempenha um belo trabalho para uma senhora que cresceu em uma época onde até mesmo o mais simples gesto de andar de mãos dadas com o parceiro, era visto como um tabu pela sociedade.
— Na minha época não existia isso, os pais e as mães não falavam nada com a gente, simplesmente proibiam. Quando namorava a gente nem se quer dava um abraço no namorado, sair abraçada no meu tempo não podia. Era muito reservado. Por isso mesmo a minha necessidade de hoje transmitir para as mulheres aquilo que eu não tive. Não por culpa de alguém, mas por culpa da época —, afirma Ema.
A construção cultural e o pouco acesso às informações preparou Ema de um modo diferente. Não havia instrução em casa e sequer uma conversa na roda de amigos. Os livros trazidos pelo pai eram obras adquiridas por intermédio da igreja frequentada pela família, o que também restringia as leituras. Foi assim que Ema cresceu e se relacionou com um único homem, a vida inteira. Após o falecimento de Osmar, com quem foi casada quase 50 anos, Ema revela não ter mais interesse em outra pessoa.
Escolhas pessoais que não fazem dela uma idosa infeliz e, muito menos doente, como ela mesma se refere. O apoio dado por sua família a auxilia a continuar com o trabalho desenvolvido com as mulheres da região. Aspectos da beleza interior e os cuidados com a autoestima são muito pautados por ela, que vê a sexualidade também como um cuidado psicológico.
— A gente faz com que cada uma pare como se fosse na frente do espelho e fale: O que que eu quero de mim? Veja como eu sou bonita! Eu sou boa, eu sou trabalhadora, eu sou perfeita, eu sou criatura de Deus. E sendo isso, se a mulher sentir que ela tem esse valor, ela vai trabalhando isso dentro dela, vai adquirindo autoestima —, conta Ema sobre o trabalho desenvolvido.
"Se a mulher sentir que ela tem esse valor, ela vai trabalhando isso dentro dela, vai adquirindo autoestima."
Desconstruindo tabu
E assim, Ema Mulinari aprendeu sobre a sexualidade, de um modo mais singelo e de acordo com os costumes e princípios da época e do local onde cresceu. O tabu imposto durante sua juventude criou um empecilho no desenvolvimento de reflexões acerca da palavra sexo, dos cuidados pessoais e de descobertas com o parceiro, e até mesmo, no fato de apenas ter se relacionado com uma pessoa. Mesmo após o falecimento de Osmar, ela se diz satisfeita com o relacionamento que tiveram e não busca uma nova companhia, mas sim, o carinho e afeto da família.
Segundo a Psicóloga Juliana Coutinho a sexualidade não passa só pela relação sexual, passa por vários outros sentidos como sentir, como gostar, como sair para dançar, atividades que se relacionam também com a autoestima.Para Dona Ema, trabalhar a sexualidade é desenvolver justamente isso, pois, por meio desses exercícios de relacionamento pessoal é possível melhorar a vida a dois.
— Que ela consiga acompanhar o companheiro nos lugares onde ele vai, nos esportes, no baile. Porque se você fica em casa sempre, o companheiro vai e quando volta, ele está com outra autoestima e ao chegar em casa se depara com a esposa triste.
Perspectivas diferentes das atuais, onde a mulher ainda deve se cuidar para satisfazer o marido, mas nem por isso, passíveis de julgamento. Nascida na década de 40, Ema vê o mundo com um pensamento diferente, e tem consciência disso. Porém, aos poucos ela pôde ir rompendo o seu próprio tabu e as barreiras que lhe foram impostas e, assim, iniciou as atividades no Sindicato, mas sabe como as mulheres do interior ainda são.
— Porque se chamar elas e dizer que a reunião será sobre a sexualidade da mulher, elas não vêm e o marido, também não a deixa vir.
"Se chamar elas e dizer que a reunião será sobre a sexualidade da mulher, elas não vêm e o marido, também não a deixa vir."
Com a sutileza de Ema Mulinari, as reuniões são conduzidas com muita destreza e simpatia, apesar das barreiras que enfrentou na juventude. Hoje ela vê o quanto a época em que nasceu a impedia de conversar sobre determinados assuntos e, por isso, descobriu a necessidade de transmitir para as mulheres, as informações que não teve. Identificado nas formas mais simples, o tabu ainda cria barreiras na sociedade atual, o que impede principalmente as mulheres, de falar e identificar aspectos importantes da sexualidade. Mas, pouco a pouco, cria-se aberturas para informar sobre a importância dessas reflexões para a saúde física e psicológica das mulheres.
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