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É um direito

O acesso à saúde sexual e reprodutiva são Direitos Humanos reconhecidos como tais em leis nacionais e internacionais. Entre os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, determinados durante a Conferência do Milênio, realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2000, quatro estão ligados a saúde sexual e saúde reprodutiva, para a promoção da igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres. A partir do reconhecimento da saúde sexual como um direito de todos e todas, a ONU disponibiliza um caderno com diretrizes sobre o tema.

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Ainda em construção, esses direitos representam uma conquista histórica, fruto da luta pela cidadania e pelos Direitos Humanos, principalmente das mulheres. Falar sobre a saúde sexual é falar de um estado de bem-estar físico, mental, emocional e social em relação a sexualidade. Ou seja, a ONU e o governo brasileiro, por meio do Caderno de atenção básica: Saúde Sexual e Reprodutiva, entendem que esses direitos não estão relacionados apenas aos aspectos da saúde reprodutiva, mas englobam também a “possibilidade de ter uma vida sexual agradável, livre de coerção, discriminação e violência”. Isso significa pautar a saúde sexual por meio de diretrizes que promovem respeito, proteção, direitos à não discriminação, à privacidade e confidencialidade, o direito de ser livre de violência e à educação sexual, informação e acesso aos serviços de saúde.

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Ao falarmos sobre esse assunto, estamos entrando em um campo pouco discutido socialmente, principalmente por mulheres. Ao mesmo tempo que avanços foram feitos por meio de instruções como as da OMS, falar sobre sexo e sexualidade ainda é um tabu e muitas mulheres tem a sua qualidade de vida prejudicada por não conhecerem seus direitos e não discutirem sobre o tema. A ligação entre saúde, mulheres e desenvolvimento é sinônimo de  investimento em qualidade de vida. Por isso, é necessário quebrar tabus e ir além da ideia de que tratar saúde sexual é apenas conscientizar sobre doenças. Sexo e sexualidade estão ligados aos mais diferentes âmbitos da vida. Debater sobre esse assunto é ter um olhar preventivo para saúde física e mental, promovendo também a liberdade das mulheres e igualdade entre gêneros. É preciso falar para lutar pelos direitos.

Sexo e Sexualidade não são a mesma coisa?

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Muitas vezes confunde-se sexo com sexualidade, mas há uma diferença entre essas duas palavras e é importante entender.

 

Sexo está relacionado ao órgão genital masculino ou feminino e por isso a palavra também é usada para se referir ao ato sexual.

 

Sexualidade engloba diferentes aspectos da vida que inclui o ato sexual, mas se relaciona com as emoções, sentimentos como amor e ódio, e inclui circunstâncias de exigências ou obrigações sociais.

 

Apesar dos dois termos terem relação, saber diferenciá-los é importante para entender as necessidades e prazeres em cada aspecto da vida.

 

Ouça aqui a Psicóloga e pesquisadora do  Grupo de Estudos e Extensão universidade das Mulheres (GEEUM@) da UFSM, Juliana Novo Coutinho falando um pouco mais sobre essa diferença.

Psicóloga
Ouça Sexo e Sexualidade não são a mesma coisa?

Shiu, é pecado!

Tabu é uma palavra que está relacionada com a proibição, censura, perigo e impureza de determinadas atividades sociais. Tabus são aqueles temas polêmicos, geralmente discriminados pela sociedade e, por isso, não discutidos e evitados. Cada sociedade possui tabus diferentes e eles são determinados pela cultura, religião, moral entre outros aspectos que determinam aquilo que pode ou que não pode ser dito, feito e até mesmo pensado. A professora doutora da UFSM-FW, pesquisadora em estudos de gênero, Vera Sirlei Martins, explica que um tabu é uma interdição social que busca organizar as relações em um determinado sentido. É importante observar a maneira como essas interdições e proibições funcionam na vida das pessoas, pois “normalmente essa interdição vai ser ditada por quem tem poder e, portanto, ela vai servir aos interesses de quem tem poder”, diz a professora. 

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Historicamente discutir sexo e sexualidade da mulher é proibido e feio, pois,

à ela foi reservado o papel de gerar a vida. Praticar e falar sobre sexo é um

tabu para as mulheres. Muita coisa mudou, mas hoje em dia a mulher ainda não é vista como um alguém que pode ter desejos e prazeres, seu papel é definido como aquela que serve ao marido e ao lar. Apesar das conquistas adquiridas, muitas mulheres ainda possuem marcas dessa repressão sexual e ainda não conseguem falar sobre o assunto. A psicóloga Juliana Coutinho diz que isso ocorre porque ainda hoje a mulher não é vista como um sujeito desejante, que tem vontades, e o direito de se satisfazer. “Ou vai pelo viés reprodutivo, ou vai por esse viés do olhar masculino sobre a objetificação e a herotização do corpo da mulher, e não sobre o que ela deseja, então, é um tabu falar sobre sexualidade”, explica a psicóloga. Ela também fala que ao desvincular a relação sexual do prazer, a mulher é proibida de senti-lo e tem o sexo somente como forma de reprodução, fazendo com que se fale menos sobre o assunto. E essa “desvinculação de prazer e sexo é feita pela estrutura de dominação masculina, de que o homem domina a mulher, inclusive sexualmente”, explana a psicóloga.

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Não discutir a sexualidade da mulher pode prejudicar outros aspectos da vida, como a autoestima e a confiança. Mas principalmente porque as mulheres se sentem culpadas quando estão tendo uma vida de prazeres, pois lhes foi ensinado que devem se preocupar com o bem estar dos outros (marido, filhos, pais), antes do próprio. 

Sem discutir sobre o tema as mulheres se tornam mais dependentes daquilo que outros dizem, impedindo-as de se expressarem e reivindicarem aquilo que consideram certo e não o que lhes foi imposto. 

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Sexo é prazer e não está errado. As mulheres têm o direito de serem livres para terem uma vida sexual sem julgamentos e tratar a sexualidade de forma plena. Vera explica que o sexo para as mulheres é ensinado como doença, enquanto aos homens é ensinado a desfrutar da vida sexual, e a sociedade ao passo que qualifica o homem a partir dessas práticas, desqualifica a mulher pelos mesmos motivos.

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TABU
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A equipe da reportagem realizou uma pesquisa online sobre saúde sexual e sexualidade da mulher, com 186 mulheres. Pudemos perceber que a maioria das entrevistadas considera a sexualidade uma questão de saúde e acham importante discutir o tema com jovens, porém mais de 50% delas consideram o assunto tabu. Isso mostra que a importância da sexualidade é reconhecida, mas poucas se sentem à vontade para discutir sexo e sexualidade, e isso é reflexo de imposições e proibições determinadas ao longo dos anos como forma de controlar as mulheres. 

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Não se pode olhar mais o sexo como doença. É sim necessário falar sobre gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis, mas precisamos olhar para o sexo como prazer e não sentir culpa, pois essa culpa, a proibição e outras questões sociais que oprimem a mulher, se reflete na mente e no corpo, causando as disfunções sexuais.

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Quando a boca cala, o corpo fala

As disfunções sexuais são manifestadas no corpo de diferentes maneiras e é preciso muita atenção ao falar sobre elas, pois são resultados de um processo psicológico e que varia de mulher para mulher. Ou seja, nem toda mulher que sofre da mesma disfunção deve ter o mesmo tratamento, pois o motivo pelo qual cada uma desenvolveu pode ser diferente, variando desde sentimento de culpa, imposições sociais e/ou religiosas, medo e casos de abusos físicos, psicológicos e sexuais. São disfunções físicas, mas reflexos do psicológico. É o corpo da mulher pedindo ajuda e avisando que algo não está certo e precisa de atenção.

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A fisioterapeuta especialista em saúde da mulher e fisioterapia pélvica, Caroline Helena Lazzarotto de Lima, diz que as disfunções sexuais devem ser percebidas a partir da perspectiva da somatização, pois antes dos problemas físicos, tem as restrições das crenças e dos valores que se refletem no corpo. Ela explica que não é normal sentir dor no momento da relação sexual, nem não sentir orgasmo, mas que muitas ainda acreditam nisso e demoram para buscar tratamento. A fisoterapeuta destaca a necessidade de olhar para essas mulheres de forma individual e pensar no tratamento junto com a psicóloga e a ginecologista, havendo assim um olhar interdisciplinar. Não adianta cuidar do corpo sem cuidar da mente, da mesma forma que depois que os músculos já estão debilitados somente o tratamento psicológico não terá tanto efeito. É preciso trabalhar em conjunto para que a mulher se sinta confortável e entenda todo o processo do tratamento.

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Na pesquisa realizada com mulheres, perguntamos se elas conheciam algumas disfunções sexuais e muitas responderam que já ouviram falar, mas não sabiam o que era cada uma delas. Pacientes da médica ginecologista Marília Simone Candaten, a procuram pois estão preocupadas com o prazer do companheiro e não com o seu, e buscam no consultório uma pílula mágica que irá resolver os problemas sexuais. Isso mostra que poucas mulheres conhecem as possíveis causas das disfunções e ainda acreditam que seu principal papel é satisfazer o outro, deixando o próprio prazer em segundo plano. 

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Essas pressões sociais fazem com que a mulher sempre se veja como um sujeito inferior, incapaz de proporcionar prazer, o que leva muitas acreditarem que sofrem com alguma das disfunções, quando na verdade, elas estão bem, mas o companheiro ou companheira é quem diz que ela precisa melhorar seu desempenho na cama. Por outro lado, aquelas que sofrem com alguma das disfunções tem vergonha de falar, porque a mulher que busca por seu bem estar sexual ainda é vista com maus olhos e pensam que sentir dor ou algum tipo de desconforto na hora da relação é normal. A fisioterapeuta Caroline afirma: ”não é normal, é preciso acompanhar para melhorar”.

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Como já vimos, essas dores e desconfortos são causados por múltiplos fatores, que variam de mulher para mulher. O que todas têm em comum é a restrição na hora de compartilhar e falar sobre o sexo e a sexualidade de forma saudável, afim de se conhecer e saber o que é e o que não é bom sentir. Assim, o controle sobre o corpo feminino é histórico e deixa marcas mentais e físicas que precisam ser tratadas através de acompanhamento psicológico, fisioterapêutico, médico e muita conversa sincera entre o casal, para tentar acabar com os julgamentos e quebrar com os tabus e restrições.

Ginecologista
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Educar para prevenir

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A educação sexual é o ensino sobre a anatomia, a psicologia e aspectos comportamentais relacionados ao sexo e a sexualidade. Ela é trabalhada com crianças e jovens e é um caminho para acabar com tabus, melhorando assim a qualidade de vida de futuros adultos. Educar sexualmente não é incentivar as relações sexuais, mas sim explicar como é possível ter uma vida sexual saudável, promovendo o autoconhecimento e o desenvolvimento da sexualidade de forma livre e sem preconceitos. A psicóloga Juliana Coutinho acredita que muitas coisas seriam diferente se desde cedo fossem trabalhados assuntos do tipo. 

Ela explica que para cada fase da vida à uma maneira de falar sobre o assunto. Com as crianças não se fala sobre as relações sexuais, mas sim sobre o conhecimento do corpo, explicando as partes e suas diferenças, os sentimentos e as emoções. “Nesse trabalho de conhecimento do seu corpo e das suas emoções podemos colocar algumas questões, como hoje já se trabalha sobre o abuso sexual infantil, mostrando para as crianças que não é todo mundo que pode tocar no corpo dela”, diz Juliana. Já na adolescência, pode-se introduzir as questões do prazer, a proteção contra doenças sexualmente transmissíveis e as várias formas de expressar a sexualidade. A psicóloga diz que o sexo e a sexualidade são da natureza humana, então é necessário educar o jovem para que ele compreenda as possibilidades e mudanças que ocorrem. “É uma questão de gênero, uma questão de preconceito e, claro, isso vai reprimindo a adolescente de falar e os adolescentes e os jovens são os adultos posteriormente, que vão se relacionar sexualmente”, complementa.

Ouça Educar para previnir

A educação sexual precisa ser trabalhada como uma forma de prevenir doenças e gravidez indesejada, mas também como uma maneira de conscientizar socialmente as crianças e jovens. Educar é falar sobre o sexo e a sexualidade de forma natural, desconstruindo preconceitos e ensinando às jovens mulheres a terem responsabilidade sobre suas escolhas, deixando-as livres para sentirem todos os prazeres da vida adulta.

Mulher, se toca!

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A masturbação é um dos maiores tabus em relação ao sexo da mulher. Desde cedo o menino é encorajado a se tocar, por outro lado, a mulher é ensinada que conhecer seu próprio corpo é errado, feio, sujo e pecado.

 

Ao se tocar, a mulher conhece a anatomia do seu corpo, como ele funciona e onde estão seus pontos de prazer. Conhecendo todos os detalhes do corpo, ela consegue perceber quando algo não está certo e o momento de procurar ajuda. A masturbação leva ao prazer e a mulher conquista, sozinha, uma maior autoestima e uma qualidade de vida.

 

A masturbação é um processo natural e necessário para que a mulher saiba o que gosta ou não, é uma forma de autoconhecimento. É a autonomia sexual feminina, um primeiro passo para a apropriação do seu corpo em um caminho para independência.

 

Entre quatro paredes, sozinha, a mulher pode conquistar lugares do seu corpo e níveis de prazer sem depender de ninguém além dela mesma.

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Durante muito tempo o sexo da mulher foi visto como pecado, algo impuro e ao mesmo tempo que as mulheres não podiam falar nem pensar nisso, logo quando casavam elas precisavam dar ao marido um filho. Algo muito contraditório, mas que mostra que o controle do corpo e dos desejos da mulher sempre foi do outro, da sociedade, do homem. Esse controle deixa marcas e por mais que avanços sociais tenham sido alcançados por meio das lutas dos Direitos Humanos, o corpo e mente da mulher ainda são subjugados ao poder masculino. Discutir esse tema é necessário, falar como o sexo é bom e faz bem, é uma forma de buscar a liberdade. Falar sobre não é falar apenas sobre doenças, precisamos pensar em saúde preventiva, um modo de parar as doenças físicas e mentais antes delas se manifestarem. A falta de uma sexualidade desenvolvida de forma plena reflete no corpo, no modo de vida, no psicológico da mulher, causando doenças. Precisamos falar sobre sexo, sexualidade e prazer pensando na saúde física e mental das mulheres.

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